Complemento da Ação: Cuida-se do Projeto de Lei Ordinária nº 13/2025, de iniciativa do Vereador Paulo de Oliveira Cruz Neto, que “DISPÕE SOBRE A DIVULGAÇÃO DA RELAÇÃO DOS MEDICAMENTOS, VACINAS E SUPLEMENTOS ALIMENTARES DISPONÍVEIS E INDISPONÍVEIS NA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE ITAPEMIRIM”. Consta nos autos o texto integral da proposição, acompanhado de sua respectiva justificativa.
Observados os trâmites regimentais, o projeto foi submetido à publicidade e à deliberação na 8ª Sessão Ordinária do presente exercício legislativo, sendo, na sequência, encaminhado a esta Procuradoria para manifestação jurídica.
Nos termos do art. 30, inciso I e III, da Constituição da República Federativa do Brasil, combinado com o art. 8º, inciso I e III, da Lei Orgânica do Município de Itapemirim, compete ao Município legislar sobre assuntos de interesse local, incluídos os tributos de sua competência. A instituição e eventual concessão de isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), tributo de natureza municipal, insere-se no âmbito do interesse local e da autonomia legislativa do ente federativo municipal. Dessa forma, a proposição não invade a competência privativa da União (art. 22 da CRFB), tampouco configura matéria sujeita à competência concorrente (art. 24 da CRFB), revelando-se, portanto, constitucional sob o aspecto da competência legislativa em vista da previsão contida no art. 156 da CRFB.
A iniciativa legislativa no âmbito municipal é regida, entre outros dispositivos, pelo art. 124 da Lei Orgânica do Município de Itapemirim, que expressamente prevê que a apresentação de projetos de lei cabe a qualquer vereador, às comissões permanentes, ao prefeito e aos cidadãos, ressalvadas as hipóteses de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo.
O art. 36 da Lei Orgânica Municipal estabelece as hipóteses taxativas de proposições cuja iniciativa é privativa do Chefe do Poder Executivo (vide alíneas “a”, “c” e “e” do §1º do art. 61 da CRFB), conforme segue:
“Art. 36 – São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que:
I – fixem ou modifiquem o efetivo da Guarda Municipal;
II – que disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, e suas respectivas remunerações;
b) servidores públicos do Município, com regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
c) criação, estruturação e atribuições das Secretarias Municipais e órgãos de administração pública municipal.”
No que tange à iniciativa legislativa, importa registrar que a matéria tributária não se encontra arrolada entre aquelas de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, conforme interpretação do art. 61, §1º, II, da Constituição Federal. Assim, é legítima a propositura parlamentar de projetos que versem sobre isenções tributárias a título de incentivo fiscal. Apesar de haver posicionamentos doutrinários em sentido contrário, o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido da admissibilidade dessa iniciativa legislativa por parte do Parlamento.
ADIN – LEI 7.999/85, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI 9.535/92 – BENEFÍCIO TRIBUTÁRIO – MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE – REPERCUSSÃO NO ORÇAMENTO ESTADUAL – ALEGADA USURPAÇÃO DA CLÁUSULA DE INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO – AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA – MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.
A Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração do processo legislativo em tema de direito tributário. A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. O ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara – especialmente para os fins de instauração do respectivo processo legislativo – ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado.
As disposições contidas, em linhas gerais, instituem isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) no Município de Itapemirim/ES para três categorias distintas: (i) clubes de serviço sem fins lucrativos que utilizem imóveis edificados para suas atividades; (ii) entidades assistenciais de cunho religioso sem fins lucrativos, nos imóveis edificados de uso direto; e (iii) templos religiosos instalados em imóveis locados ou cedidos em comodato, desde que destinados ao exercício das atividades essenciais. O art. 3º ainda condiciona o benefício à comprovação documental anual junto à Secretaria da Fazenda e prevê a revogação da isenção em caso de descumprimento dos requisitos legais.
Convém assinalar que a isenção constitui modalidade de dispensa legal do pagamento de tributo, configurando um favor fiscal outorgado pelo ente competente para sua instituição e cobrança. Considerando que a hipótese não se enquadra na imunidade prevista no art. 150, inciso VI, alínea "b", da Constituição Federal, nada obsta, em tese, a concessão da isenção, desde que atendidos os requisitos constitucionais e legais, especialmente os de ordem financeira constantes do art. 14 da Lei Complementar n.º 101/2000 (LRF), do art. 150, §6º, da Constituição Federal, e do art. 179 do Código Tributário Nacional.
A Constituição Federal, em seu art. 150, §6º, exige que a concessão de isenções tributárias seja veiculada por lei específica, o que é reiterado pelo art. 176 do Código Tributário Nacional. Nesse sentido, observa-se que o projeto não apresenta detalhamento mínimo quanto aos critérios, documentos comprobatórios e condições para o reconhecimento do direito à isenção.
Nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n.º 101/2000), toda concessão ou ampliação de benefício tributário que implique renúncia de receita deve estar acompanhada de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que entrar em vigor e nos dois subsequentes. Exige-se, ainda, demonstração de que a renúncia foi considerada na lei orçamentária ou que está acompanhada de medidas compensatórias por meio de aumento de receita ou redução de despesas.
“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso. [...]”
Neste sentido, também há análoga exigência contida no art. 113 do ADCT em nossa Carta Magna, sedimentado por precedentes de nossa Corte Superior, ratificando que: “A ausência de prévia instrução da proposta legislativa com a estimativa do impacto financeiro e orçamentário, nos termos do art. 113 do ADCT, aplicável a todos os entes federativos, implica inconstitucionalidade formal” (STF ADI 6074, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 21/12/2020, PROCES-SO ELETRÔNICO DJe-042 DIVULG 05-03-2021 PUBLIC 08-03-2021).
“Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”.
No presente caso, verifica-se que o projeto em análise não foi instruído com a devida estimativa do impacto orçamentário-financeiro, tampouco consta nos autos qualquer estudo técnico ou demonstração que evidencie a previsão de compensação exigida pela norma de regência.
Assim, a concessão de isenção fiscal deve considerar a Estimativa do Impacto Orçamentário-Financeiro, demonstração de que não afetará as metas fiscais e a apresentação de medidas de compensação através do aumento de receita. A dispensa de tais exigências somente se admite quando houver demonstração de que o impacto foi contemplado na Lei Orçamentária Anual, sem comprometer as metas fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
A concessão de incentivos fiscais dissociada de previsão de receita e da devida estimativa de impacto compromete a disciplina orçamentária, na medida em que ignora possíveis efeitos sobre o equilíbrio das finanças públicas. Todo benefício tributário com potencial de redução de arrecadação deve observar rigorosamente os controles constitucionais e legais, a fim de garantir a estabilidade fiscal.
Destaca-se, por fim, que a ausência de estudo de impacto financeiro inviabiliza a aferição da compatibilidade da proposta com os princípios da responsabilidade fiscal, equilíbrio orçamentário e transparência na gestão pública, previstos, entre outros, no art. 48 da LRF. A inobservância dessas exigências pode ensejar responsabilização dos agentes públicos perante os órgãos de controle, como o Tribunal de Contas e o Ministério Público.
Deste modo, não obstante a lei de iniciativa parlamentar que institua o benefício fiscal tenha vigência, sua eficácia condiciona-se à inclusão na lei orçamentária anual e na lei de diretrizes orçamentárias do próximo exercício financeiro. Caso não fosse assim, haveria clara alteração da previsão da receita do orçamento em curso, o que atrairia a competência para o âmbito do Poder Executivo, impossibilitando a inciativa da lei pelo Legislativo.
Quanto ao quórum necessário para aprovação da matéria, em vista ao que aduz o art. 200 do Regimento Interno, por inexistir previsão expressa em sentido contrário, será adotado no caso em comento a maioria simples como número mínimo de votos para apreciação e aprovação da matéria.
Diante das considerações acima, e observadas as disposições legais aplicáveis à espécie, entende esta Procuradoria que a matéria, embora revestida de pertinência temática e regularidade formal em relação à competência e à iniciativa, apresenta vícios que comprometem sua constitucionalidade formal da proposição. Em especial, impõe-se a exigência de juntada, aos autos, dos documentos e estudos já referidos, a fim de suprir as falhas materiais e instruir adequadamente o processo legislativo, sob pena de afronta aos princípios constitucionais da legalidade, da moralidade e da responsabilidade fiscal.
No que tange a verificação da existência de interesse público, a Procuradoria Jurídica não irá se pronunciar, pois caberá tão somente aos vereadores no uso da função legislativa, verificar a viabilidade ou não desta preposição, respeitando-se para tanto as formalidades legais e regimentais.
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