Complemento da Ação: Trata-se de Projeto de Lei Ordinária nº 006/2025, de autoria do Poder Executivo Municipal, que “DISPÕE SOBRE INCENTIVO FISCAL PARA AS EMPRESAS QUE DETENHAM UNIDADE FABRIL NA CIRCUNSCRIÇÃO DO MUNICÍPIO DE ITAPEMIRIM, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. Nos autos computa-se ainda Ofício de encaminhamento com pedido de urgência especial, Mensagem nº 005/2025 e corpo do Projeto de Lei.
Realizado os presentes procedimentos, de forma preliminar foi encaminhado à procuradoria para manifestação jurídica sobre o projeto de lei sob análise.
Eis o breve relatório.
Inicialmente, destaca-se que a presente manifestação jurídica se limita à análise de questões estritamente jurídicas, não abrangendo aspectos técnicos, econômicos, financeiros, administrativos ou outros que envolvam juízos de conveniência e discricionariedade da Administração Pública. Cumpre ressaltar que, conforme orienta o Manual de Boas Práticas Consultivas da AGU, é vedado ao órgão consultivo emitir pareceres conclusivos sobre matérias não jurídicas, tais como questões de ordem técnica ou administrativa.
A Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB, prevê em seu art. 30, inciso I c/c o art. 8º, inciso I, III e IV da Lei Orgânica do Município de Itapemirim a competência do Município para legislar sobre matéria contida no Projeto de Lei Ordinária sob apreço.
Não obstante a regularidade formal quanto à iniciativa e competência legislativa, impende destacar aspectos que demandam maior cautela e aprofundamento, especialmente no que se refere à observância dos preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000).
De forma geral, é possível distinguir duas espécies de incentivos fiscais: aqueles que impactam diretamente a receita pública e o equilíbrio orçamentário no exercício em que são concedidos, os quais podem ser considerados "incentivos onerosos", e aqueles que não geram efeito financeiro imediato nas contas do ente federativo, podendo ser classificados como incentivos a "custo zero". Estes últimos, em tese, visam fomentar o desenvolvimento econômico regional e promover um crescimento futuro da arrecadação, a partir da geração de empregos e outros benefícios decorrentes da atração de investimentos.
Contudo, os incentivos que resultam em renúncia de receita corrente e afetam a arrecadação tributária, ainda que de forma estimada, submetem-se obrigatoriamente às exigências do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Do mesmo modo, qualquer incentivo de natureza financeira, quando destinado à iniciativa privada, deve respeitar as condições impostas pelo art. 26 da LRF, sob pena de comprometer a gestão fiscal responsável e afrontar os princípios constitucionais aplicáveis.
Na sequência legal, os efeitos do impacto da isenção devem ser previstos em demonstrativos que acompanhem a lei orçamentária de acordo com o artigo 165, § 6º, da Constituição da República c/c art. 97, inciso III da Lei Orgânica de Itapemirim, que segue in verbis:
"Art. 165. (...)
§ 6º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.
Art. 97. (...)
III – a proposta da lei orçamentária será acompanhada de demonstrativo regionalizado do efeito sobre receitas e despesas decorrentes de isenções, anistias, remissões e benefícios de natureza financeira e tributária.”
Nos termos do art. 14 da supracitada norma, a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois subsequentes, além de demonstrar que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária anual, em conformidade com a lei de diretrizes orçamentárias, ou que está acompanhada de medidas de compensação, mediante aumento de receita ou redução de despesa.
“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso. [...]”
Neste sentido, também há análoga exigência contida no art. 113 do ADCT em nossa Carta Magna, sedimentado por precedentes de nossa Corte Superior, ratificando que: “A ausência de prévia instrução da proposta legislativa com a estimativa do impacto financeiro e orçamentário, nos termos do art. 113 do ADCT, aplicável a todos os entes federativos, implica inconstitucionalidade formal” (STF ADI 6074, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 21/12/2020, PROCES-SO ELETRÔNICO DJe-042 DIVULG 05-03-2021 PUBLIC 08-03-2021).
“Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”.
No presente caso, verifica-se que o projeto em análise não foi instruído com a devida estimativa do impacto orçamentário-financeiro, tampouco consta nos autos qualquer estudo técnico ou demonstração que evidencie a previsão de compensação exigida pela norma de regência.
Dessa forma, a renúncia de receita decorrente de lei que conceda isenção fiscal somente estará dispensada da adoção de medidas compensatórias quando o impacto financeiro estiver devidamente contemplado na lei orçamentária anual e for demonstrado que tal renúncia não comprometerá o cumprimento das metas de resultado fiscal estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias.
Qualquer concessão de incentivo fiscal que não esteja atrelada a uma previsão de receita devidamente programada e sem a correspondente estimativa de impacto financeiro, compromete a disciplina orçamentária ao desconsiderar fatores que podem afetar o equilíbrio entre as receitas e as despesas públicas. Assim, todo benefício tributário que possa gerar diminuição da arrecadação deve submeter-se aos rigorosos controles estabelecidos pela Constituição e pela legislação orçamentária, a fim de resguardar a responsabilidade fiscal e assegurar a estabilidade das contas públicas.
Ressalte-se que a ausência desse estudo inviabiliza a análise quanto à compatibilidade da proposta com os princípios da responsabilidade fiscal e do equilíbrio orçamentário, além de configurar possível afronta ao dever de transparência na gestão fiscal, previsto no art. 48 da LRF. A renúncia de receita, sem a observância dos requisitos legais, sujeita tanto o Chefe do Poder Executivo quanto os agentes públicos envolvidos ao risco de responsabilização perante os órgãos de controle, notadamente o Tribunal de Contas do Estado e o Ministério Público de Contas.
Outro ponto que merece detida reflexão reside na composição do Comitê Especial de Avaliação, previsto no art. 6º do projeto de lei. A proposta estabelece que referido colegiado será composto por apenas três membros, todos nomeados pelo Chefe do Executivo, sem qualquer representação do Poder Legislativo ou da sociedade civil organizada.
A formação restrita e exclusivamente vinculada ao Executivo não assegura, em tese, os princípios da transparência, do controle social e da impessoalidade no processo decisório. Ademais, a composição exígua, sem a previsão de membros suplentes, compromete a continuidade dos trabalhos do colegiado em eventual ausência dos membros titulares, podendo acarretar prejuízo ao regular funcionamento do Comitê e à análise dos pleitos de concessão dos benefícios fiscais.
É imperioso destacar que a função do Comitê Especial de Avaliação é de elevada relevância para a consecução dos objetivos propostos pela lei, tendo em vista que a concessão dos benefícios fiscais depende de análise técnica criteriosa quanto à viabilidade econômica e financeira dos empreendimentos, ao potencial de geração de empregos e de renda, à utilização de mão de obra local, ao respeito às normas ambientais e à conformidade com a legislação urbanística. Assim, recomenda-se que o colegiado tenha composição ampliada, com a inclusão de representantes do Poder Legislativo e de segmentos da sociedade civil, além da designação formal de membros suplentes, a fim de garantir maior representatividade, legitimidade e efetividade aos seus atos, bem como seja exigido conhecimentos técnicos específicos para as respetivas designações.
No que concerne ao disposto no art. 3º do projeto de lei, observa-se que o Município se propõe a fornecer máquinas, equipamentos e pessoal para execução de obras de terraplenagem nas áreas destinadas à instalação ou ampliação das empresas beneficiárias. Tal previsão, além de implicar em prestação de serviços públicos em áreas de domínio privado, carece de avaliação precisa quanto aos custos a serem suportados pelo erário. Não há, nos autos, qualquer laudo técnico, estudo de viabilidade ou análise de custo-benefício que demonstre a vantagem econômica da concessão desses serviços pelo Poder Público, especialmente considerando que, somados à isenção de tributos municipais, tais benefícios podem implicar em dispêndios superiores aos ganhos projetados com a atração dos empreendimentos.
Importante ressaltar que a prestação de serviços públicos em áreas privadas deve observar, além dos princípios constitucionais da administração pública (art. 37, CF), a necessidade de demonstração inequívoca de que tal atuação reverter-se-á em benefício público relevante e mensurável, o que, no presente caso, não restou evidenciado.
Verifica-se, ainda, que o projeto não contempla cláusulas de reversão que assegurem ao Município o direito de revogar os benefícios concedidos caso a empresa beneficiária descumpra as condições que motivaram a concessão, tais como a geração de empregos, o respeito à legislação ambiental e a efetiva execução dos investimentos prometidos. A ausência dessa previsão fragiliza o controle da Administração sobre a efetividade da política pública, podendo resultar em concessões sem o retorno esperado à coletividade.
A cláusula de reversão é instrumento fundamental para resguardar o interesse público, permitindo ao Município anular os incentivos e, se for o caso, exigir ressarcimento ou compensação em face do inadimplemento das obrigações assumidas. Sua ausência no projeto compromete a segurança jurídica da concessão e pode gerar prejuízos ao erário, recomendando-se, portanto, sua inclusão no texto legal como condição para a manutenção dos benefícios.
No tocante ao quórum para aprovação do projeto de lei em questão, considerando não haver previsão legal específica em sentido contrário, aplica-se a regra geral disposta no art. 200 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Itapemirim, que exige maioria simples para deliberação da matéria.
Insta salientar que o regime de urgência especial constitui medida excepcional, conforme disciplinado no art. 151 do Regimento Interno, devendo ser concedido apenas quando a matéria, por seus objetivos, exigir apreciação pronta, sob pena de perda de oportunidade ou eficácia. Assim, não restando demonstrados os requisitos legais para sua concessão, especialmente a urgência justificada e a necessidade de deliberação imediata, recomenda-se a adoção do trâmite ordinário, em observância ao devido processo legislativo e ao princípio da legalidade.
Considerando a previsão legal do art. 80 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Itapemirim, cumpre ressaltar que a matéria deve ser analisada pela Comissão de Finanças e Orçamento. Ademais, conforme disposto no art. 75 do mesmo diploma legal, deve ser respeitado o trâmite inicial na Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final, antes do encaminhamento à COFINOR.
Ante o exposto, considera-se imprescindível que o Chefe do Poder Executivo apresente, previamente à deliberação desta Casa Legislativa, os estudos de impacto orçamentário-financeiro, a exigência de detalhamento do custo das obras de terraplenagem expressa em cada ato autorizativo (decreto ou lei), a previsão de cláusula de reversão no projeto de lei, ampliação e adequação da composição do Comitê Especial de Avaliação, bem como os elementos que comprovem a compatibilidade das medidas propostas com o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), conforme determina o art. 26 da Lei Complementar nº 101/2000.
Diante das considerações acima, e observadas as disposições legais aplicáveis à espécie, entende esta Procuradoria que a matéria, embora revestida de pertinência temática e regularidade formal em relação à competência e à iniciativa, apresenta vícios formais que comprometem sua legalidade. Em especial, impõe-se a exigência de juntada, aos autos, dos documentos e estudos já referidos, a fim de suprir as falhas materiais e instruir adequadamente o processo legislativo, sob pena de afronta aos princípios constitucionais da legalidade, da moralidade e da responsabilidade fiscal.
Assim, condiciona-se a manifestação favorável quanto à constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei Ordinária nº 006/2025 à apresentação e análise dos documentos e informações elencados no presente parecer.
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